sábado, 3 de agosto de 2013

Mais um capítulo: Resposta de Roosevelt ao Hélio

Segue a resposta do prof. Roosevelt Starling ao prof. Hélio Guilhardi:

Meu caro Hélio,

Como este é o primeiro e-mail sobre a proposta da ACBr que recebo diretamente como destinatário e pela admiração, respeito e reconhecimento que tenho para com você, apresento algumas observações à sua comunicação.

Não sei se você sabe que estou dentre os proponentes iniciais desta ideia (e, por favor, observe, ao contrário do que você parece ter entendido, João Claudio Todorov tem dado um suporteinequívocamente favorável à fundação dessa associação).

Mas acredito que saiba que esta é uma proposição que defendo publicamente há décadas. Tenho este convencimento comigo, Hélio e, portanto, aceito muito bem o seu próprio convencimento, ainda que, neste caso (e momentaneamente, espero) numa direção oposta. É assim mesmo. É através desse tipo de situação que avançamos.

Agradeço, em primeiro lugar, sua atenção e sensibilidade ao observar que sim, tivemos cautela: fizemos uma consulta. Em primeiro lugar porque é uma comunidade à qual pertencemos há décadas e em segundo porque boa parte desta comunidade é composta de pessoas que se tornaram queridas e admiradas ao longo dos anos.

Não caberia discutir convencimentos. Convencimentos se aceitam, se respeitam. No entanto, existe na sua fala e na fala contra de alguns outros colegas alguns pontos que me parecem estar equivocados ou, eventualmente, mal informados (e aqui talvez a falha seja nossa, mas vamos corrigir isso).

Uma pequena observação antes de entrar nos pontos mais substantivos que desejo expor: subscrevo, linha por linha, sua posição quanto à desejabilidade da variabilidade comportamental e a inclusão de analistas do comportamento de todos os matizes no processo seletivo das nossas práticas verbais.

Hélio, não sei como isso parece ir se transformando em algo que nada tem a ver com a nossa ideia, pelo menos tal qual a concebemos. Parece que vai se transformando numa oposição entre a ABPMC e a proposta ACBr. Ser a favor de uma, parece, seria ser contra a outra. Vão se emaranhando aí a complexidade das histórias pessoais e das contingências particulares em ação neste momento. Este é o primeiro equívoco, Hélio. Afianço a você que a nossa organização numa associação analítico-comportamental, assim claramente definida, não enfraquece a ABPMC de forma alguma. Não é como se propusesse ou se convidasse os analistas do comportamento para migrar para a ACBr deixando a ABPMC. Nem se parece com isso. Nem, na ideia que cultivamos, a ACBr competiria com a ABPMC por qualquer forma concebível.

O que me leva a comentar o que me parece ser o segundo equívoco da sua comunicação. O equivoco seu que vejo, Hélio, é que a ABPMC não é uma associação de analistas de comportamento, tal como me pareceu estar implicado na sua fala. A ABPMC é uma associação mista, por concepção e organização estatutária, e nela convivemos – e muito bem, diga-se – com colegas cognitivistas, cognitivo-comportamentais e, mais recentemente, com colegas contextualistas e insisto em que não podemos passar por cima disso, tratando a ABPMC como se fosse uma exclusividade nossa, desconsiderando este caráter generalista que, desde o início, está claro e bem marcado nas nossas programações e publicações. Afinal, sim, a ABPMC tem uma história que todos nós construímos e, acredito, queremos manter. E esta é a história que tem: uma associação mista e aberta às diversas práticas verbais. 

Ocorre que, como você bem sabe, temos problemas e desideratos que são particulares da nossa ciência, dos nossos interesses e que não podemos esperar ou demandar sejam tratados e conduzidos no seio da ABPMC. E nem poderíamos – e nem seria nosso desejo, acredito, convidar os colegas que aderem a outros modelos, a outras práticas verbais, a abandonar a ABPMC. Isso sim, a enfraqueceria! E a negaria fundamentalmente, tal como foi constituída e como vem operando ao longo de todos estes anos (e este estado das coisas aparentemente nos agrada, pois nenhum de nós a abandonou e, a que eu saiba, nem pretende abandoná-la, não é mesmo?).

O que desejamos é então que tenhamos uma associação paralela analítico-comportamental – e na qual sim, é claro, desejamos variabilidade comportamental e damos boas vindas a todos os matizes calcados nas práticas verbais analítico-comportamentais – na qual possamos tratar e encaminhar os interesses exclusivos e particulares da nossa comunidade. Somente para citar alguns: a discussão e integração mais aprofundada de todos os interesses que compõem nossa matriz cultural – pesquisa básica, aplicada, clínica, behaviorismo radical – a problemática que se propõe com a seleção do coloquialmente chamado “tratamento ABA” do autismo e aquele que você mesmo cita, qual seja o cuidado com o ensino e formação de analistas do comportamento. A meu ver, essa problemática é nossa, Hélio, e os demais colegas de outras práticas verbais não estão interessados nela, como é justo que não estejam.

Praticamente todas as demais abordagens da psicologia brasileira tem a sua associação própria, Hélio, como também as tem até mesmo particularidades da prática psicológica, tais como a Associação Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento, Associação Brasileira de Psicologia do Trânsito, Associação Brasileira de Psicologia do Esporte, etc. Ninguém jamais perdeu com isso. Isso é vigor, é riqueza. Você mesmo reconhece isso implicitamente, ao montar com o seu grupo sua própria e bem-sucedida estrutura de formação particularizada e eventos maiores relacionados (E, no que me diz respeito, está muito bem e recebe meu aplauso e admiração). Francamente, não vejo como uma Associação Brasileira de Análise do Comportamento possa diminuir ou subtrair seja lá do que for. A meu ver, somente enriquece ainda mais a boa convivência da diversidade.

Como disse acima, convencimentos se aceitam, se respeitam. Exponho aqui o meu convencimento e enfaticamente convido você a reconsiderar e a se unir a nós nesta empreitada. Sinceramente, tal como eu vejo a sua história e de outros colegas, nesta proposição esperaria vocês como membros fundadores e entusiastas da associação. Mas, repito, convencimento é convencimento.

Mantenho-me a sua inteira disposição, e dos demais colegas, para conversar sobre este meu convencimento e, com transparência, prometo fazer o meu melhor para que você e os demais possam ver a ACBr com um novo olhar, fortalecendo todos nós e em nada subtraindo nem da ABPMC nem de qualquer outra associação da qual sejamos também afiliados.

Por outro lado, os diversos e ricos posicionamentos que estamos vendo sobre esta questão mostram que esta proposição nos incomodou, enquanto grupo. Como vejo, incomodou porque desacomodou o que estava acomodado. Nada mais saudável e tenho a certeza de que, seja lá qual for o fim disso, num ponto concordaremos: somente por este fato, já valeu.

Meu abraço. 

Roosevelt 
(Via Diogo Chagas)

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