sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Espiritualidade: inata ou aprendida?

Na disciplina de Teoria Psicoterapêutica de Orientação Fenomenológica e Existencial estamos vendo um tema um tanto quanto polêmico: a espiritualidade. Justamente por estarmos estudando sobre o Viktor Frankl. É interessante, porque eu e um amigo (cognitivista) estávamos discutindo o tema, no sentido de ela ser inata ou não.
Segundo o que aprendemos em aula, espiritualidade "é uma dimensão, exclusiva do ser humano, por causa de sua consciência, que o permite transcender. A capacidade de transcender faz com que ele veja sua vida como algo maior".
Além disso, foi feita a afirmação de que a essa capacidade de transcendência do homem é o que faz ele aprender com a vida, faça com que a vida tenha um sentido, de modo que, anteriormente, o homem era visto como um ser biopsicosocial. E hoje, é visto como um ser "biopsicosócio-espiritual".
Durante a aula, foi concluído que a espiritualidade é inata, mas não é todo mundo que a "desenvolve", sendo que, os modos de desenvolver a espiritualidade ou vivê-la e experienciá-la é através da religiosidade, da meditação, entre outros métodos.

Minhas objeções a essa aula são as seguintes: primeiro considero que a espiritualidade é um comportamento aprendido. Ela não é inata. Para ser inata ela teria que demonstrar algum sentido de sobrevivência para toda a espécie humana e também teria de ter existido um "grau menor" de espiritualidade em nossos antecessores na escala evolutiva¹. A espiritualidade é ensinada desde quando você é criança pela comunidade verbal, pelas agências controladoras como a religião, a educação (em aulas de ensino religioso, por exemplo) e pela família (quando esta tem uma crença religiosa/mística), embora a própria espiritualidade não deva ser confundida com a religião em si.
Outro ponto que gera incômodo, pelo menos a mim, é de que a espiritualidade seria exclusiva ao homem. Deste modo, podemos entender que a espiritualidade só nasceu depois que o primeiro Homo sapiens surgiu. O que contradiz a ideia de inatismo proposta em sala de aula, visto que precisaria de um certo tipo de espiritualidade em hominídeos que antecederam a raça humana. A espiritualidade não é um comportamento determinado filogeneticamente no sentido estrito da palavra. É mais um comportamento mediado socialmente através da cultura de uma determinada sociedade do que por seleção natural.
Além disso, até que ponto pode-se dizer que uma pessoa é espiritualizada nesse sentido? Eu, particularmente, concluí que não tenho espiritualidade depois que assisti a essa aula. E os psicólogos existenciais-humanistas discordariam disso, pois, a espiritualidade existe em mim mesmo que eu não a desenvolva. 
Isso também me gera um certo desconforto, teoricamente falando, porque se eu não tiver espiritualidade, possivelmente não conseguirei "aprender com a vida". Mas o que seria aprender com a vida, primeiro de tudo? Creio que seria nada mais do que ir vivendo, operando sobre o meio e sendo operado por ele, discriminando, através de processos comportamentais, o que seria "certo" e "errado", tendo o reforçamento e a punição de comportamentos assertivos ou desadaptativos advindos da comunidade em que vivemos; aprender com a vida também seria aprender socialmente (através de modelação, por exemplo), sempre sofrendo as consequências de seus atos contingencialmente ao comportamento apresentado.
Também não concordo que para ter um sentido na vida seja estritamente necessário ter espiritualidade. Não creio que um dependa do outro. O sentido de vida, até para os psicólogos existenciais-humanistas, não é algo imutável. Dessa maneira, o sentido que você dá a sua vida depende das variáveis que envolvem as contingências de reforçamento da qual seu comportamento é função.
Um exemplo que pode ser dado vem de pessoas que vivenciam grandes desastres. Alguém que passa por uma situação traumática muito grave, onde correu risco de vida, pode dizer que "algo mudou dentro dela" e que, agora, ela vê sua vida, o mundo e a vida das pessoas à sua volta de outra maneira. Diriam que ela mudou seu sentido de vida. Eu concordo em parte: ela pode ter realmente mudado seu "sentido de vida", mas não por que sua consciência a fez transcender do mundo real para um mundo onde ela entendesse a "verdade das coisas", mas porque viveu contingências extremamente aversivas que a fizeram entender que sua vida é frágil e pode acabar num determinado tipo de acidente, mesmo que ela não o tenha causado. E essa discriminação ocorre independentemente de uma espiritualidade ou até mesmo da própria consciência enquanto entidade mental. Qualquer pessoa que corre risco de vida (R-) pode ter uma tendência a mudar determinados comportamentos para que não mais esteja "a mercê" de uma situação tão perigosa.

¹ Para melhor compreensão dessa passagem do texto, ler o capítulo 3 do livro: CATANIA, A. C. Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre: Artmed, 1999.

2 comentários:

  1. Renan, não havia visto este blog ainda. E posso opinar? Está muito legal, principalmente para quem está começando a estudar Psicologia ou Behaviorismo Radical.

    Quanto a esse seu último post, concordo com você, a espiritualidade é um comportamento aprendido, não um comportamento filogenético. Está muito mais ligado com os determinantes ontogenéticos e culturais. Enfim, realmente não consiste em um comportamento inato.

    Vou deixar aqui uma contribuição sobre Frankl, uma entrevista que ele concedeu em 1985 (consiste em 3 partes):

    http://www.youtube.com/watch?v=5cd2KANOJuU
    http://www.youtube.com/watch?v=mBxVZTbi6q4
    http://www.youtube.com/watch?v=TXB85tjjJg8

    OBS: Também me identifico com o Behaviorismo Radical, e essa identificação veio bem antes de iniciar minha graduação. Vou passar a acompanhar seu Blog! ;D

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    1. MUITO obrigado, Augusto! Fico feliz com seus comentários! Verei os vídeos, com certeza!

      Abração! ;)

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