Muitos estudantes de Psicologia, sobretudo aqueles que se interessam pela Análise do Comportamento, podem se deparar com uma das áreas que eu acho mais fascinantes e também mais complexas do Behaviorismo Radical: o comportamento verbal.
Justamente por ser uma área que eu considero complexa e que muitos acadêmicos não têm acesso tão fácil, até mesmo nas aulas de teorias comportamentais durante a graduação, resolvi escrever um artigo científico (que já está em fase de revisão e correção) que tem como objetivo introduzir o assunto aos estudantes de Psicologia e behavioristas iniciantes de uma maneira mais simples ou, no mínimo, menos complexa. E a presente postagem trata-se justamente disso: assim como o artigo, falar sobre o comportamento verbal de uma maneira "fácil".
A primeira coisa que devemos saber sobre o comportamento verbal é que ele é um comportamento como qualquer outro comportamento operante, isto é, modifica o meio e é modificado por ele, no entanto, existe uma singularidade: ele é mediado socialmente. E isso quer dizer que é necessário um ouvinte para que o comportamento verbal seja produzido. Mesmo que o ouvinte seja o próprio falante.
Sendo assim, Ernst Vargas, psicólogo americano da
B. F. Skinner Foundation , num artigo de 2007, propõe não uma contingência de três termos, mas uma contingência de quatro termos para entendermos melhor o comportamento verbal. Segundo ele, seria assim:
Estímulos Antecedentes (Sd) > Ações Verbais > Ações Mediadoras > Estímulos Consequência (Sc)
Onde Sds seriam os estímulos específicos que servem de ocasião para a emissão de uma resposta, as Ações Verbais equivaleriam-se à Resposta (comportamento) na contingência de três termos, por especificarem a emissão do comportamento verbal propriamente dito. Já as Ações Mediadoras indicariam a mediação social do comportamento verbal, ou seja, as ações que o ouvinte tem para a emissão do comportamento verbal do falante e, finalmente, os Scs seriam as consequências que o comportamento verbal produz no meio, assim como na usual contingência de três termos.
Dessa maneira, conseguimos perceber a importância do ouvinte na emissão do comportamento verbal por parte de um falante. E essa importância é tão grande que Skinner (1989) define vários papéis que o ouvinte pode ter, sendo no mínimo seis: 1) o ouvinte é informado; 2) o ouvinte é ensinado; 3) o ouvinte é aconselhado; 4) o ouvinte é orientado por regras e governado por leis (também pelas leis da ciência); 5) o ouvinte também é um leitor; e 6) o ouvinte também tem a capacidade de concordar. A explicação pormenorizada de cada um desses papéis não será feita aqui, uma vez que é somente uma postagem. Todavia, o ouvinte tem outro papel crucial: ele mesmo serve de estimulação discriminativa para a ocasião do comportamento verbal, uma vez que é a comunidade verbal que instala, reforça e mantém esse comportamento no repertório de um indivíduo.
Já que entendemos que o próprio ouvinte serve como estimulação discriminativa para a emissão do comportamento verbal, podemos falar do que Skinner (1978) define como operantes verbais e unidades de análise do comportamento verbal, que seriam: auditório, mando, comportamento ecoico, comportamento textual, comportamento intraverbal e tato; e também de um outro comportamento muito importante na análise do comportamento verbal: o comportamento autoclítico.
AUDITÓRIO
O auditório é um estímulo discriminativo na qual o comportamento verbal emitido em sua presença é caracteristicamente reforçado e caracteristicamente forte. Além disso, é o auditório que estabelece as contingências nas quais línguas, como inglês, português, japonês, etc. são reforçadas. Em uma comunidade verbal, com uma só língua, muitos jargões, gírias e linguagens específicas, como as linguagens técnica e científica, são reforçadas por auditórios específicos. Em nossa comunidade verbal, gírias como "mano" e "treta" são reforçadas por um grupo específico. Assim como as palavras "reforçamento operante" e "operantes verbais" são reforçadas por outro grupo específico.
Outra característica do auditório é que ele tem a dimensão de ser negativo, ou seja, de reforçar negativamente e até mesmo punir e extinguir o comportamento verbal ou parte do comportamento verbal de um falante. Por exemplo, um aluno que vai apresentar um seminário na faculdade e usa uma linguagem muito coloquial pode ser reforçado negativamente pelo auditório (os membros de sua sala e o professor) e quando esse aluno fala de modo mais científico, é reforçado positivamente pelo mesmo auditório. Também existe o que se chama de auto-auditório, que é quando o falante e o ouvinte são a mesma pessoa. No auto-auditório, o falante é afetado pelas consequências do seu próprio comportamento verbal, em palavras mais simples, ele se autorreforça, digamos assim.
MANDO
O mando é um operante verbal que tem como característica principal especificar a consequência que quer se obter, digamos assim. Ele deriva de comando, é mais facilmente identificável quando ocorre no tempo verbal imperativo e geralmente depende do estado de privação que o falante se encontra. Um exemplo de mando é quando dizemos "me ligue?", "saia daí!", "licença, por favor?", etc. No entanto, não existe somente um tipo de mando. Existem também o mando prolongado, o mando supersticioso e o mando mágico.
O primeiro, o mando prolongado é exemplificado quando mandamos consequências numa comunidade que não pode reforçar-nos caracteristicamente. Quando mandamos em crianças muito pequenas, animais não-treinados ou quando as próprias crianças mandam no comportamento de brinquedos, são exemplos de mandos prolongados.
Já o mando supersticioso se caracterizaria por um reforço acidental da resposta, assim como um comportamento não-verbal é reforçado acidentalmente quando um índio está rodando em volta de uma fogueira e de repente começa a chover numa época de seca, mesmo que este comportamento não tenha sido reforçado anteriormente. Um exemplo é quando alguém, num jogo de baralho, manda "venha ás de espadas, venha ás de espadas" e o faz mesmo que a carta nunca tenha sido apresentada em ocasião semelhante posterior.
O mando mágico, quando lemos o nome, podemos até achar que tem a mesma definição que o mando supersticioso, no entanto, existe a diferença de ele ter uma baixíssima probabilidade de ser reforçado em quaqluer circunstância.
COMPORTAMENTO ECOICO
O comportamento verbal ecoico (ou de repetição) tem a característica de estar totalmente sob controle de um estímulo verbal audível anterior e a resposta ecoica tem correspondência ponto a ponto com esse estímulo. Um exemplo muito claro que se tem é quando uma professora que está ensinando inglês manda aos alunos: "repitam depois de mim: YELLOW." e os alunos, sob controle total do estímulo vocal da professora, ecoam: YELLOW. Apesar de a definição de comportamento ecoico parecer extremamente simples, deve-se tomar cuidado porque quando um aluno, fazendo uma lição, ecoa o "certo" uma vez verbalizado pela professora, este pode ser simplesmente um reforçador condicionado e não um comportamento ecoico puro. Além disso, existe o que se chama de comportamento auto-ecoico, que é basicamente quando o falante ecoa o próprio comportamento, ponto a ponto.
COMPORTAMENTO TEXTUAL
O comportamento verbal textual, assim como o operante verbal ecoico, está inteiramente sob controle de um estímulo verbal anterior, só que neste caso, ao invés de ser um estímulo audível, é um estímulo visual (ou no caso do Braille, tátil). Um texto é comportamento verbal congelado, os estímulos podem ser letras, hieróglifos, símbolos, figuras, etc. Um exemplo é o seu comportamento agora, leitor. Você está sob controle dessas variáveis mínimas que chamamos de letras, ponto a ponto. Se escrevemos "ÁGUA" sua resposta, muito provavelmente, como no caso dos operantes ecoicos, será "ÁGUA", mesmo que subvocalmente. Também há o que se chama de auto-comportamento textual, que é quando um sujeito está sob controle do que ele mesmo escreveu, como quando escrevemos lembretes nas costas da mão ou quando um político escreve um discurso e o lê na cerimônia em que vai tomar posse.
COMPORTAMENTO INTRAVERBAL
O comportamento intraverbal, assim como o comportamento ecoico e textual, também está sob controle total de um estímulo verbal anterior, seja ele audível ou visual, mas a diferença está na resposta. Esta não será correspondente ponto a ponto com o estímulo anterior. Um exemplo de intraverbalização é quando resolvemos uma conta matemática. Estamos sob controle do estímulo verbal antecedente "3 + 5", só que, diferentemente dos comportamentos ecoico e textual onde responderíamos exatamente "3 + 5", no comportamento intraverbal, responderemos "8". Outro exemplo é quando traduzimos uma palavra, frase ou texto de uma língua diferente para nossa língua natal. Estamos sob controle do estímulo "THE GIRL IS BLONDE". No caso do comportamento ecoico e/ou textual responderíamos estando correspondentes ponto a ponto com esse estímulo: "THE GIRL IS BLONDE" e no comportamento intraverbal respondemos "A GAROTA É LOIRA". Nesses dois exemplos percebemos claramente que estamos sob controle de um estímulo verbal anterior, mas que não respondemos correspondendo variável por variável ou ponto por ponto. O comportamento intraverbal também está relacionado com comportamentos de lembrar e memória. Quando tentamos lembrar de algo geralmente estamos sob controle de um estímulo verbal anterior, por exemplo, uma pergunta: "ONDE VOCÊ DEIXOU AS CHAVES DO CARRO?" e respondemos com uma verbalização diferente do estímulo anterior: "AH! DEIXEI SOBRE O CRIADO-MUDO, NO QUARTO".
TATO
O tato é um comportamento verbal que também está sob controle de um estímulo anterior, como todos os outros, no entanto, esse estímulo é não-verbal. Ardila (2007) afirma que o tato é o operante verbal que basicamente serve para dar nome a estímulos discriminativos. Skinner (1978) nos diz que o tato é o comportamento verbal mais importante que existe, justamente pela conspicuidade do controle exercido pelo estímulo antecedente e pela clareza com que vemos como a comunidade verbal reforça o comportamento de um falante. O exemplo de um tato é a criança dizer "PANELA" na presença de uma panela e ser reforçada contingentemente pela comunidade verbal que a cerca.
Ainda há o que chamamos de tato ampliado. Esse operante surge quando estímulos novos que se assemelham a estímulos anteriores previamente presentes e ainda assim servem de ocasião para que o falante emita o tato. Por exemplo, um mesmo falante emite o tato "CADEIRA" na presença da cadeira de madeira de sua casa e pode emitir o mesmo tato na presença da cadeira estofada de tecido do professor, na escola. Esse tipo de tato tem várias extensões: metafórica, metonímica, de solecismo, entre outros.
Também há a definição do que chamamos de tato abstrato. Ele ocorre quando qualquer propriedade do estímulo antecedente, em que uma resposta foi contingencialmente reforçada, exerce um grau de controle sobre o falante mesmo que em outras combinações. Um exemplo é quando uma criança emite o verbal "MAÇÃ" na presença da característica fruta vermelha e emite o mesmo verbal na presença de uma maçã verde. Aqui damos a importância à propriedade do estímulo maçã que adquiriu controle sobre a criança, talvez o tamanho ou o formato.
O tato até certo ponto se assemelha ao comportamento intraverbal, pela falta de correspondência ponto por ponto com o estímulo antecedente. No entanto, as contingências de reforçamento no tato são mais consistentes que no comportamneto intraverbal, uma vez que é a comunidade verbal que reforça o tato do falante, por interesse próprio.
AUTOCLÍTICO
O comportamento autoclítico é caracterizado por ser um comportamento verbal que depende de ou se fundamenta em outro comportamento verbal e se baseia no papel do ouvinte, pois, o autoclítico serve para preparar o ouvinte para o comportamento verbal que o acompanha. Ele também tem a capacidade de especificar a probabilidade de ocorrência de uma resposta e de identificar o efeito que determinada resposta teve sobre o falante em determinadas contingências. São exemplos de autoclíticos: "não acredito que...", "preciso dizer que...", "gostei de saber que...". No entanto, não existem só um tipo de autoclítico. Existem autoclíticos descritivos, que servem para o falante descrever o próprio comportamento, existem os autoclíticos negativos que negam ou cancelam o comportamento verbal seguido deles e também há os autoclíticos qualificados que são exemplificados pelos autoclíticos de negação ("não...") e de asserção ("sim..") e os autoclíticos quantificadores que podem ser exemplificados por verbalizações como "todos..." e "nenhum...".
Esses operantes verbais servem como classificação para o comportamento verbal. E este é formado como qualquer outro comportamento operante, mas como foi dito, com a mediação especial do ouvinte. Acho que é plausível dizer que o primeiro comportamento verbal a "nascer" no repertório do sujeito é o ecoico, com os próprios pais mandando "diga PAPAI" e a criança aprendendo a dizer devagar e sendo reforçada conforme vai chegando mais próximo de responder ponto a ponto o verbal "PAPAI". Primeiro ela pode dizer "PÁ" e ser reforçada com um reforçador condicionado como o "PARABÉNS!" pela comunidade verbal. Posteriormente, a comunidade diminui a intensidade do reforço ou então não reforça mais essa verbalização da criança e espera que ela emita "PAPÁ" e a reforça de acordo. Em momentos futuros, o mesmo se repete: a comunidade para de reforçar essa verbalização e espera que ela emita o "PAPAI" propriamente dito. O mesmo acontece com o comportamento textual, quando a criança aprende a ler e a escrever. Qualquer comportamento verbal que se aproxime da resposta ideal é reforçado diferencialmente até que o sujeito emita o comportamento textual desejado pela comunidade. Vê-se que o reforço nesses dois tipos de comportamento são reforços educacionais, digamos assim, providos, obviamente, pela comunidade verbal.
O mando, parece ser o mais fácil de entender como é instalado. Ele começa como um ecoico e depois que o sujeito recebe o reforçador natural do mando, ele se mantém, afinal, o mando especifica o reforço e uma vez que este é conseguido, o mando se mantém forte no repertório comportamental de quem o emite. Os comportamentos intraverbal, o tato e o autoclítico já nos fornece uma evidência maior do papel que a comunidade verbal exerce sobre o falante, afinal de contas, ela é quem vai reforçar esses comportamentos no sujeito. O tato é reforçado conforme os interesses da sociedade. O comportamento intraverbal também depende da aprovação, por parte da comunidade verbal, da resposta verbal assertiva em relação ao estímulo anterior da qual a intraverbalização é função. O autoclítico, por se basear no próprio ouvinte, é naturalmente reforçado por ele.
Creio que essa postagem possa servir para que se tenha uma noção maior de como é classificado o comportamento verbal e suas características principais. É óbvio que foi dito tudo muito superficialmente, afinal, como eu disse no começo do texto, essa área é uma das mais complexas de se estudar na minha opinião. Porém, é uma área fascinante e, por isso, apaixonante. O próprio Skinner considera seu livro, o Verbal Behavior (O Comportamento Verbal), o mais importante de sua carreira. E não é para menos. Acho que todos que se interessem por essa área de estudo deveriam ler esse livro como o "pontapé" inicial. Obviamente, que depois de ter lido o Ciência e Comportamento Humano, também do Skinner, como ele mesmo indica.
Referências
ARDILA,
R. – Verbal Behavior de B. F.
Skinner: sua importância no estudo do comportamento. Revista Brasileira de
Terapia Comportamental e Cognitiva, Belo Horizonte, v. IX, n. 2, p.
195-197, 2007.
SKINNER, B. F. O Comportamento Verbal. São Paulo: Cultrix, 1978.
SKINNER, B. F. Questões Recentes na Análise Comportamental. 5 ed. Campinas:
Papirus Editora, 1989.
VARGAS,
E. A. – O Comportamento Verbal de B.
F. Skinner: uma introdução. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e
Cognitiva, Belo Horizonte, v. IX, n. 2, p. 153 – 174.